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24
ago
2010

Política é o dia a dia

Passeata, por HelenaN, no Flickr em CC

Amigos, familiares e pessoas revoltadas com o acidente da TAM. Foto: HelenaN, em CC

Lá vem outubro e as eleições. Ontem, no Twitter, descobri com o Caribé e o Big Digo que, sim, a gente pode apoiar candidatos em nossos blogs. Bacana. A minha questão nesta eleição, entretanto, é outra. Sempre fui minoria, num sistema político que se diz democrático, mas não tem o menor respeito por quem tem é diferente. Como minoria, a gente se acostuma a não ter o que acreditamos representado no mundo das leis e da política. A ver nossas crenças espezinhadas, desprezadas, até criminalizadas.

Sou filha da revolução, nascida em 1965, um ano depois do Golpe de 64, crescida em plena repressão. Cantava, ainda menina, junto com a Elis Regina sem saber ao certo porque esperava a volta do irmão do Henfil – para descobrir quem era o Henfil muito mais tarde. Filha de dois professores quase reacionários, que me colocaram no colégio bacana e experimental, acabei virando para o que se pode chamar de “esquerda”. E quando pude votar, escolhi a “revolução” que nascia no Grande ABC, dentro do Sindicato dos Metalúrgicos.

Eu fiz faculdade lá em São Bernardo do Campo. Do colégio rico, cheio de filhinhos de papai com quem eu não me dava muito bem, encontrei minha primeira turma na faculdade, onde curtia blues, Legião Urbana, Bocatto, filmes independentes, a onda dos videomakers enquanto começava a jornada das redações. Isso tudo foi construindo uma crença política. De que votar naquele partido da estrela vermelha poderia mudar o País. Que aquela galera – que misturava gente de “elite”, como os Suplicys (na época ainda um casal), com metalúrgicos e professores universitários, militantes de todas as cores – poderia, sim, criar novos horizontes e todo mundo poderia ser feliz sob a sua gestão.

Comecei a votar num período estranho: analfabetos não podiam votar e só os maiores de 18 iam às urnas. Votei um tanto nos papeluchos – era divertido anular, dava pra votar no Cacareco, no Frank Zappa, em qualquer um que não fosse o zero zero. Passei a vida votando no PT. Em 2002 fui pra Avenida Paulista, emocionada, comemorar com o Lula a vitória, no meio de muita, muita, muita gente. Chorei. Só pra ver, depois, os conchavos com o clã Sarney (que não vale o ar que respira). Pra testemunhar o descalabro do mensalão e, pior, sigilo bancário de gente humilde violado em nome do tal partido. Desilusão pouca é bobagem.

Hoje, penúltimo domingão de agosto, abro o jornal e dou de cara com a manchete: PMDB quer metade do poder. Já está em andamento o loteamento – e ninguém ainda apertou um único botão nas urnas. Penso aqui naquela senhorinha simples que entrevistei em Belém, em maio, que vai votar na candidata. Imagino se ela tem ideia de que está levando no pacote o Sarney e tantos sanguessugas do nosso dinheiro – tão mal gasto por todas as administrações.

Pior que ter que aturar o bordão do Tiririca é saber, com toda certeza, de que pode ficar pior, sim. Aliás, esta besta humana não sabe o que faz um deputado porque não quer! E conhecendo um pouco os meus conterrâneos, já estou aqui tentando conformar o meu estômago com o fato de que o turco ladrão provavelmente será reeleito, de que o ladrão de vaso de cemitério idem e o próprio idiota que só quer ter um salário bacana também vão conseguir.

E que, depois, eu vou ter que escutar em toda conversa sobre política que “são todos ladrões”, “não servem pra nada”, “nós estamos ferrados”. A esta altura, todos terão esquecido em quem votaram. E quando chegar processo contra blog, o jornal for censurado ou a gasolina continuar a custar a mesma coisa (embora o barril do petróleo tenha caído muito) o Zé Povão não saberá juntar seu voto com o efeito. Aliás, muitos blogueiros também não, para meu desgosto.

Até 2002, passei a vida acreditando. Hoje só acredito no que acontece de verdade. Por isso repito: política é o dia a dia. É saber que deputados trabalham três dias por semana, durante umas horas – serão oito? Duvido – e tem três meses de folga pagas, mais custos e passagens. Ter certeza que deputados e senadores são movidos pelas grandes corporações (que doam um milhão pra cada partido e deixam o Zé Povão escolher, porque quem vai mandar são elas). Ter certeza absoluta que para ser ouvido pelos “nossos” representantes é preciso ir à Brasília e invadir o Congresso – ou ter “costas quentes”. É saber que a gente vai ter, sim, que recolher um tantão de imposto, fazer economia pra hora de se aposentar, pagar plano de saúde, escola particular e entender impostos, economia e leis. É praticar, todo dia, a paciência de ver o seu compatriota desrespeitar a lei, matar, roubar, te atropelar e tentar se defender sozinho de tudo isso. Saber que a polícia está nas mãos destes desinfelizes tanto quanto a gente – e que não se pode contar com ela para te defender.

Política no dia a dia é tentar se manter minimamente civilizado no meio da selva. É, apesar da ignorância, carregar a sacola retornável, economizar água, energia e recursos. E acima disso tudo, conseguir construir ambientes em que se pode conversar acima e além das diferenças de crença. Porque, afinal, se eu sou minoria, preciso conversar com a maioria e de alguma forma estabelecer um diálogo. Cansou? A vida não é fácil. E ainda vai levar um bom tempo para o Brasil ser um país com P maiúsculo, democracia de verdade e direitos de verdade.

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